"Alunos deixam de estudar porque não suportam propinas"

A frequentar Direito na Universidade Portucalense e presidente da FNESPC - federação que junta as associações de estudantes do privado - Rui Novais da Silva fala das dificuldades económicas dos alunos e das vantagens de estudar numa privada. Defende uma aplicação rigorosa do Processo de Bolonha e mais igualdade entre público e privado.
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Desde 2000 o ensino superior privado perdeu mais de 30 mil alunos. O que está a afastar os alunos do privado?

Vejo que há estudantes que deixam de estudar porque não conseguem suportar, a nível financeiro, as propinas. É certo que muitas vezes são opções pessoais, mas a questão financeira é a causa principal, pois é difícil para muitas famílias manter um aluno no privado, principalmente quando os estudantes estão deslocados.

Apesar de custos de educação mais elevados, o ensino superior privado tem vantagens relativamente ao público?

Há vantagens a nível pedagógico porque os professores no privado têm uma turma muito mais reduzida e conseguem acompanhar muito mais o estudante no ensino e aprendizagem do que os professores do público. Outra vantagem é que no privado muitas instituições têm sensibilidade, procurando saber se os alunos passam por dificuldades. E, muitas vezes, fornecem a esses estudantes oportunidades de trabalho na própria instituição, o que lhes permite acabarem o seu ciclo académico.

Os estudantes em geral já consideram as bolsas de estudo reduzidas. No privado ainda sentem mais os efeitos desse baixo valor das bolsas?

Sem dúvida alguma que existe desigualdade entre os estudantes do público e do privado, não só na ação social direta, a nível das bolsas de estudo, mas também, por exemplo, no acesso às residências universitárias. Nós somos postos de lado.

Nos últimos anos foi introduzido em Portugal o sistema de empréstimo aos estudantes. Concorda com este tipo de apoio?

Estou completamente contra, no sentido de que poderemos vir a hipotecar o futuro de um estudante. O estudante tem de ter o apoio do Estado, mas não desta forma.

E o mercado de trabalho distingue o aluno do privado e do público?

Não, é equivalente. Nós, estudantes do privado, em determinadas áreas até temos mais facilidades de emprego do que os alunos do público.

Que balanço faz da implementação do Processo de Bolonha?

Em termos teóricos, o facto de o processo trazer uma avaliação contínua e de os estudantes estarem mais perto dos professores são aspetos positivos. Mas não sei se está a ser aplicado. Talvez seja necessário haver uma formação do próprio corpo docente, ao nível do Processo de Bolonha e da pedagogia em si. Depois, é fundamental que as instituições estejam preparadas para uma maior aposta em unidades curriculares lecionadas em língua inglesa. E essa aposta deve ser maior nos segundos e terceiros ciclos. É necessária uma reflexão sobre o melhor método a adotar, no que diz respeito às diferentes práticas de ensino-aprendizagem. É também fundamental avaliar as reais causas do abandono no ensino superior.

Nos últimos tempos, o privado tem estado envolvido em polémica. O "caso Relvas" feriu o orgulho de quem estuda no privado?

O caso foi causado pelos seus colegas. Não vou culpar o Relvas nem a Lusófona, porque sei que a universidade não tem culpa disto. Quem tem culpa disto é o Estado, que não fiscaliza. Temos uma agência de acreditação e avaliação do ensino superior, a A3ES, e uma Direção-Geral do Ensino Superior que deveriam fiscalizar. Os jornalistas acabaram por fazer o trabalho que lhes competia, que é controlar e acompanhar o procedimento educacional. Não estou contra criar equivalência de créditos por experiência profissional, mas tem de haver um limite. E nunca o limite como o que foi dado ao Relvas. Se a nossa agência funcionasse...

... mas a agência só entrou em funcionamento posteriormente à creditação.

Eu sei disso. Mas com o tempo que ela já lá está poderia ter verificado isto. Parece que só nos últimos tempos é que a agência acordou. Se o caso se passasse no público, tinha sido travado e não saía na imprensa.

O Governo equaciona alterar o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Há alguma coisa que deveria ser alterada?

A aplicação do atual RJIES leva um bom desempenho. É de louvar o facto de conseguir estabelecer num documento único o Ensino Superior. Espero que haja sensibilidade para que não seja alterado porque muitas vezes pode criar desestabilização o facto de estarem sempre a alterar a legislação. No entanto, existe uma necessidade progressiva de rever o RJIES e estabelecer novos rumos, novos caminhos, e neste caso direciono uma especial atenção para os objetivos da Estratégia Europa 2020. Por outro lado, uma das coisas que deveriam ser alteradas é a autonomia dada pelo Estado, nomeadamente na pedagogia. O Estado tem de criar um programa comum e as instituições, públicas e privadas, têm de o seguir. O grande problema da educação é esse: a demasiada autonomia que o Estado dá às universidades.

Qual a relação da FNESPC com as associações do público? Têm lutas em comum?

Desde que entrei para a associação, a FNESPC criou um grande laço com as associações académicas do ensino público. Eles compreendem os nossos problemas e nós os deles. Neste momento estamos a promover em conjunto uma petição no que diz respeito às dívidas contributivas e tributárias, para pôr fim à exclusão no direito à bolsa de estudo por motivos familiares. O que nós estamos a fazer é o exemplo que as próprias instituições de ensino superior também têm de seguir. Têm de criar sinergias entre elas, criar companheirismo. É óbvio que cada uma tem os seus problemas, mas têm de estar unidas por um fim: a qualidade de excelência no ensino superior.

Como avaliam o trabalho deste Governo?

O que pedimos a nível do associativismo estudantil ao Governo é que, em cada passo que tenha, em cada matéria que pretenda trabalhar, nos faça auscultações. Que trabalhe em conjunto connosco. Este Governo tem-nos aberto as portas em determinadas matérias e noutras fecha. Principal-mente o secretário de Estado do ensino superior, que não tem tido aquela predisposição para receber os estudantes. E devia, porque, muitas vezes, nós somos a parte que está no terreno, que sabe quais são os reais problemas que os estudantes têm. O nosso Governo deve deixar-se destes interesses, destes lóbis das próprias instituições. Também devemos deixar de ter um ensino superior para responder aos ran-kings e às taxas europeias. Também deve haver uma reformulação da rede do ensino superior e o caminho deve ser a fusão de instituições.

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